Todos nós diariamente cuidamos de pacientes que respondem de maneira variada ao mesmo tratamento. Ao receber dose equivalente de uma mesma medicação, alguns pacientes não têm a menor resposta, outros apresentam efeitos colaterais graves, e outros respondem muito bem com remissão completa do quadro clínico. Em alguns casos, o clínico tem como prever a resposta terapêutica baseado na história pessoal ou familiar dos pacientes e na relação entre eficácia, efeitos colaterais e interações medicamentosas. Porém, em número enorme de casos não há como prever a resposta clínica a uma determinada droga.
Outro aspecto importante da farmacogenômica é a possibilidade de usar a evolução genômica para a identificação de novos genes que são regulados por drogas. Muitos dos tratamentos usados hoje foram descobertos por experiência clínica, e não se sabe seu mecanismo de ação. Por exemplo, os antidepressivos agem nas monoaminas em questão de horas, enquanto seu efeito clínico é tardio, demorando várias semanas para se manifestar. Vários grupos de pesquisa, inclusive o nosso, estão testando a hipótese de que o tratamento crônico com antidepressivos afeta a regulação de genes ainda não identificados. Qual a importância disso? Em termos clínicos e econômicos, os avanços terapêuticos são manifestados pelo desenvolvimento de novas classes de drogas. Ou seja: a primeira droga de uma classe (por exemplo, o primeiro bloqueador seletivo de captação de serotonina, no caso, a fluoxetina) representa um avanço clínico e econômico maior do que outras drogas que simplesmente têm o mesmo mecanismo de ação. O uso de técnicas genômicas identificará genes que servirão como alvos terapêuticos para o desenvolvimento de novas classes de drogas que terão novos mecanismos de ação e, possivelmente, menos efeitos colaterais e maior tolerabilidade.
Inicialmente, em termos éticos, precisam-se estabelecer mecanismos adequados para a coleta e o armazenamento do DNA do paciente, além de garantir segurança e sigilo em relação ao genótipo obtido. Quem terá acesso a esses dados? O paciente, o médico, o hospital, o governo, as companhias farmacêuticas, as companhias privadas de seguro médico? O custo do seguro-saúde será mais alto para aqueles indivíduos classificados como não respondedores a drogas usadas para o tratamento de doenças comuns como o diabetes e a hipertensão? Além disso, há a parte legal. Se uma droga é recomendada para pessoas com um genótipo específico, o que ocorre se o médico precisar usar essa droga em pessoas que não têm o genótipo certo, mas não respondem a outras intervenções?
Outra área complicadíssima é a do envolvimento das minorias étnicas nesse tipo de trabalho. Alelos que influenciam resposta a medicamentos, como os genes da superfamília do citocroma P450, que são responsáveis pelo metabolismo de grande parte dos psicotrópicos, têm poliformismos com distribuição variada em diferentes populações. Para se estudar isto, é necessário investigar vários grupos étnicos. A inclusão de pessoas, em estudos clínicos, não só por causa de seu diagnóstico mas também devido à cor de sua pele ou à sua origem geográfica abre uma série enorme de questões éticas que só agora estão sendo abordadas.
Fonte: Licinio, J. - Rev. Bras. Psiquiatr. vol.23 no.3, São Paulo, Sept. 2001.
Modificado em 26/05/2009 por Dr. Luis C. Bethancourt.