São Bernardo do Campo / SP - terça-feira, 19 de março de 2024

Psicotrópicos e Gravidez

Doença mental, gravidez, amamentação e o uso dos medicamentos.
   

                        Esta página, um tanto extensa me desculpem, tem por objetivo fornecer algumas informações que auxiliem na orientação segura sobre o uso de medicamentos psiquiátricos ou psicotrópicos durante a gravidez e a amamentação.

Embora as drogas psicotrópicas não tenham sido testadas ou aprovadas pelo FDA para seu uso durante a gravidez, algumas gestantes continuam a tomá-las, particularmente quando se trata de pacientes com transtornos depressivos ou ansiosos.

  • O Food and Drug Administration (FDA) dos EUA estabeleceu cinco categorias para indicar o potencial de teratogenicidade das substâncias até aqui conhecidas: A, B, C, D e X. Onde em A os estudos em mulheres não demonstraram qualquer risco no primeiro trimestre da gestação ou de mal-formação fetal. O B não demonstrou, em testes com animais, qualquer risco, porém não há estudos em humanos ou nos testes demonstraram algum risco em animais, mas estes riscos não foram observados em humanos. O C mostrou teratogenicidade em estudos com animais ou efeitos no embrião, mas não mostraram em estudos com humanos ou não há estudos em animais ou humanos. Em D há evidências de riscos para o feto, mas podem ser benéficas em certas circunstâncias. Em X as anormalidades em fetos foi demonstrada em animais e/ou humanos, e os riscos superam qualquer benefício.

Os riscos relativos e os benefícios da continuidade do tratamento psicofarmacológico devem ser pesados individualmente e o tratamento limitado para aquelas condições em que os riscos para a mãe e o feto sejam predominantemente superiores ao risco do tratamento. Os principais riscos no uso da medicação durante a gravidez são: o efeito teratogênico, a toxicidade neonatal direta e a potencial seqüela neurocomportamental em longo prazo. Há uma crescente preocupação de que o transtorno mental não medicado possa potencialmente afetar a integridade feto-placentária e o desenvolvimento do sistema nervoso central do feto. Uma coordenação de cuidados entre a gestante, o cônjuge ou companheiro, do médico psiquiatra e do obstetra é essencial, assim como toda a documentação do caso.

           

1.- Porque seria necessário o uso de medicamentos psiquiátricos durante a gravidez?

            Como conduta geral é importante evitar o uso de qualquer medicação psicotrópica durante a gravidez. A grande maioria desses medicamentos, comercializada no mercado, foi testada quanto a teratogenicidade, isto é, a possibilidade destes induzirem ou produzirem diretamente uma malformação congênita. O teste destas substâncias em seres humanos é limitado por razões éticas. Estaremos enganosamente seguros destes efeitos, nos baseando apenas nos resultados de testes efetuados em animais, mas não estaremos absolutamente certos que esta medicação seja 100% segura em seres humanos.

  • O único indicador da segurança destas substâncias é o resultado observado nos recém-nascidos daquelas mulheres que as usavam rotineiramente e que não poderiam deixar de fazê-lo durante a gravidez. Há razões óbvias para que os psicotrópicos, ou seja, aquelas substâncias que atuam no cérebro para o tratamento da depressão, ansiedade ou psicose, não sejam prescritas para gestantes a não ser que seja absolutamente necessário. Estas substâncias, depois que ultrapassam a barreira placentária, podem estar presentes no desenvolvimento do cérebro do embrião, e é possível que isto afete de alguma maneira o desenvolvimento deste órgão diferentemente dos efeitos que provocaria no cérebro de um adulto.

            A decisão de prescrever, ou não, tais medicamentos.

Não existe uma resposta certa para tal questionamento. Entretanto, a decisão deve ser feita depois de avaliados os riscos e benefícios de cada curso de ação. Por último, a decisão deve ser tomada pelos pais desta criança após os esclarecimentos do médico.

           

O que sabemos até o momento é que:

            1.- a gravidez é um período de vulnerabilidade para os distúrbios ou transtornos psiquiátricos (>4x).

            2.- a depressão, a mania e a psicose são condições graves, com altos riscos de abortos, doenças maternas, trabalho de parto difíceis, recém nascidos de baixo peso e até de morte perinatal.

            3.- nos casos de depressão crônica, ou não tratada, a gravidez transcorrerá com maiores dificuldades, principalmente por causa das reagudizações.

            4.- a depressão não tratada causa problemas em outras áreas como o convívio social, particularmente na esfera íntima e de relacionamento. Tanto a depressão não tratada como as psicoses afetam o desenvolvimento psicológico dos bebês e das crianças gerando transtornos no comportamento infantil.

            5.- os efeitos dos psicotrópicos irá depender de: volume de leite ingerido, uso da dosagem recomendada, idade da criança, composição do leite, freqüência de mamadas e do tempo de ação do psicotrópico. Quanto menos ligação com proteínas, mais lipossolúvel e de base fraca ela for, maior será sua difusão para o leite materno.

  • A decisão de se utilizar medicação psicotrópica deve sempre ser parte de uma terapêutica mais abrangente, envolvendo psicoterapia e suporte social como: orientação conjugal, familiar, comunitário e educacional. Esta decisão deve ser tomada sempre que os riscos do não tratamento do transtorno supere os riscos do seu tratamento.
  

            A decisão final é dos pais da criança.

2.- Os psicotrópicos, ou outros métodos terapêuticos, são seguros durante a gravidez?

  • Os antidepressivos são estudados desde os anos 50. Inicialmente há dois tipos de antidepressivos: 1.- IMAO e, 2.- Antidepressivos tricíclicos. Os IMAO são eficientes antidepressivos, mas não são seguros para serem usados durante a gravidez. Os antidepressivos tricíclicos têm sido utilizados extensamente e há relatos de seu uso durante a gravidez. Existem alguns dados conflitantes que sugerem a possibilidade de elevarem os índices de abortos em gravidez precoce, mas isto não foi demonstrado de maneira consistente. Não há estudos que mostrem os índices de transtornos de parto além dos 1-2%, que é um índice normal dos transtornos de parto.

            A grande maioria dos fabricantes de antidepressivos tricíclicos orientam que estas substâncias não sejam utilizadas durante os 3 primeiros meses de gravidez. Alguns recém-nascidos cujas mães receberam antidepressivos tricíclicos até o parto, apresentaram durante as primeiras horas ou os primeiros dias, sintomas de retirada desta substância, tais como dispnéia, letargia, cólica, irritabilidade, hipotensão ou hipertensão, tremor ou espasmos. Nos antidepressivos tetracíclicos são mencionados outros sinais como: convulsões, taquicardia e hipotermia. Para se evitar a ocorrência de tais sintomas, o tratamento com os antidepressivos tricíclicos ou tetracíclicos deverá, se possível, ser gradualmente descontinuado pelo menos 7 semanas antes da data prevista para o parto. Como a substância ativa é excretada através do leite materno, os recém-nascidos não deverão ser amamentados, ou o tratamento deverá ser gradualmente descontinuado durante a fase de amamentação.

  • Os novos antidepressivos: existe uma série de novas classes de antidepressivos que vêm sendo usadas e estudadas nestas duas últimas décadas. Os mais conhecidos são os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina ou ISRS, cujos exemplos seriam a fluoxetina, a sertralina e a paroxetina.

Uma meta-análise feita por Altshuler (1996) não achou qualquer evidência para teratogenicidade nos antidepressivos durante gravidez. Exposição, durante o primeiro trimestre, de 128 mulheres a fluoxetina em uma dose diária de 25,8 mg não foi associada com qualquer malformação fetal grave ou transtorno secundário.

  • O único que tem se mostrado seguro como o antidepressivo tricíclicos é a sertralina, apesar desta substância não ter sido tão estudada como os antidepressivos tricíclicos em gestantes. Trabalhos recentes apontam que após uma hora da ingestão de sertralina encontram-se níveis baixos desta no leite materno (<2 ng/ml) enquanto quer após 9 horas estes níveis são mais elevados (2 a 101 ng/ml). Pode ser que a fluoxetina seja segura, mas a sua secreção no leite materno é alta, portanto não é recomendado em lactantes. Isto não é um fator de exclusão, mas o recém-nascido deve ser monitorado cuidadosamente evitando qualquer sinal de toxicidade. Austin (1998) relata que gestantes que se utilizaram fluoxetina durante a gravidez apresentaram altos índices de prematuridade. Alguns trabalhos apontam que 1% da dose seja secretada no leite materno.

Outros trabalhos apontam que bebês expostos a fluoxetina antes do parto tornam-se nervosos e agitados depois do parto. Interessante notar que, nestes casos, não foram detectados níveis de fluoxetina nos recém-nascidos. E outros estudos apontam que alguns recém-nascidos irão ser irritadiços ou agitados independentemente da mãe ter tomado ou não fluoxetina.

  • A paroxetina é certamente secretada em grandes doses no leite materno e deve ser evitada na amamentação. Entretanto não há evidências suficientes de que provoque algum mal durante a gravidez. O FDA advertiu sobre o aumento de taxas de defeito cardíaco após a exposição intra-útero à paroxetina no primeiro trimestre e mudou sua classificação de risco fetal de classe C para D. Até que existam mais dados, seria prudente evitar a paroxetina durante a gravidez se possível.

  • A síndrome de abstinência à droga não é algo universal ou mesmo comum. Num estudo com 120 lactentes a termo, 30% dos 60 lactentes com exposição intra-útero prolongada a ISRSs, contra 0% dos lactentes não expostos, desenvolveram esta síndrome que se caracteriza por choro com tom agudo, distúrbio do sono, tremor, hipertonicidade ou mioclonias, taquipnéia e sintomas gastrointestinais. Os sintomas atingem um pico em 48 horas após o nascimento e, em geral, se resolvem em quatro dias.

  • Um estudo mostrou taxas mais altas de angústia respiratória e peso ao nascimento abaixo dos 10 percentil em lactentes expostos aos ISRSs do que nos não expostos. A exposição à ISRSs depois da 20a semana se associou significativamente à hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido (HPPRN).

As preocupações anteriores sobre o risco de defeitos cardíacos com a bupropiona não foram corroboradas. A mirtazapina, o escitalopram e a venlafaxina não foram associadas a mal-formações maiores.

  • A moclobemida é um IMAO reversível, de nova geração. Os IMAO ortodoxos já demonstraram evidências de teratogenicidade, mas não há evidências de que a moclobemida o seja. Há estudos em andamento que indicam que a moclobemida possa ser usada durante a amamentação e que, de fato, ela apareça no leite materno, mas em níveis bem mais baixos do que a sertralina.

            Devemos lembrar que não há evidências suficientes, de segurança, destes novos antidepressivos e que não sabemos os efeitos em longo prazo destas substâncias. É um problema a ser resolvido nas próximas gerações. Novamente, o uso ou não destas substâncias deve sempre levar em conta os riscos e os benefícios que trarão à gestante e à criança.

  • Os estabilizadores do humor tais como o carbonato de lítio, e os anticonvulsivantes como a carbamazepina, o fenobarbital e o valproato de sódio serão aqui discutidos. O carbonato de lítio tem demonstrado teratogenicidade em ratos, em humanos é associada à anomalia de Ebstein, uma cardiopatia congênita (malformação da válvula tricúspide: consiste num deslocamento para baixo da origem da válvula tricúspide. As cúspides valvulares, com exceção dos dois terços mediais da cúspide anterior, parecem originar-se da parede ventricular direita em vez de fazê-lo a partir do anel atrio-ventricular). Tal anomalia surge no primeiro trimestre de gestação, durante o desenvolvimento cardíaco. Esta anomalia parece não ser tão grave quando presente, já que é possível o desenvolvimento até a idade adulta. É necessário, assim que detectada tal anomalia, se fazer um acompanhamento rigoroso por ultra-som e, se necessário, realizar uma cirurgia cardíaca no feto. Não existem outros indícios claros de teratogenicidade pelo lítio, mas os níveis sangüíneos tanto da gestante como do feto devem ser monitorados para evitar sinais de toxicidade. Toda mulher fazendo uso de lítio deve ser alertada quanto a este risco e aconselhada a usar anticoncepcionais regularmente. Se a gravidez é planejada sugere-se a suspensão do uso de lítio se possível. Caso estiver tomando lítio durante a gravidez recomenda-se que se monitore os níveis séricos com freqüência. O lítio deve ser aumentado durante o 2o e 3o trimestre (por causa do aumento de excreção deste pela urina) e a dosagem reduzida a 50% próximo à data do parto. Ele é secretado em níveis variados pelo leite materno podendo chegar a níveis elevados. Se tomado durante a amamentação, os níveis séricos de lítio no recém-nascido deve ser monitorado inclusive para se evitar uma desidratação.

 

  • Com a carbamazepina e o valproato têm sido relatados defeitos do tubo neural (p.ex. espinha bífida) em cerca de 1-2% de todas as gestantes que os tomam no 1o trimestre de gravidez. Têm-se recomendado o uso concomitante de ácido fólico e vitaminas do complexo B no intuito de diminuir tais ocorrências. A carbamazepina produz sedação e hiperbilirrubinemia em crianças quando são amamentados por mães que tomam tais substâncias. O fenobarbital está associado a uma deficiência na coagulação sangüínea do recém-nascido, podendo ocorrer hemorragias nas primeiras 24 horas após o parto. Essa deficiência caracteriza-se pela diminuição das concentrações dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K e um aumento no tempo de protrombina e/ou tempo de tromboplastina.

 

  • Os antipsicóticos ou neurolépticos: Alguns trabalhos sugerem um risco elevado de transtornos do parto quando em uso de fenotiazínicos, mas não é um dado certo. Existem algumas evidências de que os fenotiazínicos possam restringir o fluxo sangüíneo uterino e comprometer o feto se houver hipotensão postural na mãe. Há relatos de síndrome extrapiramidal em recém-nascidos de mães usuárias de neurolépticos assim que nascem. A tioridazina deve ser evitada durante a gravidez por causa da alta incidência de malformação límbica. Há trabalhos que apontem o haloperidol como um neuroléptico seguro durante a gravidez. Não se recomenda o uso desta substância durante a amamentação. A medicação por via oral deve ser a via de escolha ao invés da medicação de depot. O pimozide é uma alternativa para a medicação de longo prazo apesar de também não ser recomendado seu uso durante a gravidez e a amamentação. A olanzapina não demonstrou danos para o feto em estudos em animais, mas como os estudos em animais nem sempre pré-dizem a resposta em humanos, esta droga deve ser usada na gravidez somente se muito necessário. O próprio fabricante aconselha a não amamentar o bebê se estiverem tomando olanzapina por haver estudos demonstrando a excreção desta no leite materno de animais.

 

  • Os benzodiazepínicos já são, por norma, evitados durante a gestação e certamente durante a amamentação. Há relatos de alta incidência de lábio e fenda leporina em recém-nascidos expostos ao diazepam no 1o trimestre de gestação. Não há relatos específicos quanto ao uso do clonazepam. Todos os benzodiazepínicos são excretados no leite materno e já se tem relatado casos de desenvolvimento de sedação e desregulação da temperatura corporal em bebês.

 

  • As informações quanto ao uso de anticolinérgicos durante a gestação são poucas, principalmente quanto à segurança do uso destas. Há relatos de lábio leporino em recém-nascidos. Em relação à amamentação sua segurança é desconhecida.

 

           

   


 Bibliografia:  1.- AUSTIN M.P.; MITCHELL P.B. – Psychotropic medications in pregnant women: treatment dilemmas. Med J Aust,           169(8): 428-431, 1998. 2.- ALTSHULER L.L.; COHEN L.; SZUBA M.P. – Pharmacologic management of psychiatric illness in pregnancy;          dilemmas and guideline. Am J Psychiatry 153:592-606, 1996. 3.- BIRNBAUM C; COHEN L.S.; BAILEY B.A.; GRUSH L.R.; ROBERTSON B.A.; STOWE Z.N. – Serum concentrations          of Antidepressants and Benzodiazepines in Nursing Inffants: A Case Series. Pediatrics 104(1):pe11,1999. 4.- COHEN, L.S.; ROSENBAUM J.F. – Psychotropic drug use during pregnancy: weighting the risks. J Clin Psychiatry,            59 suppl.2:18-28, 1998. 5.- Committee on Drugs/American Academy of Pediatrics – Use of psychoactive medication during pregnancy and            possible effects on the fetus and newborn. Pediatrics 105(4): 880-887, 2000. 6.- CHAMBERS C.D.; ANDERSON P.O.; THOMAS R.G.; DICK L.M.; FELIX R.J.; JOHNSON K.A.; JONES K.L. – Weight           gain in Infants Breastfed by Mothers who take Fluoxetine. Pediatrics 104(5): pe61,1999. 7.- DUFFY C.L. – Postpartum depression: identifying women at risk. Genesis June/July:11-21, 1983. 8.- GOODMAN, L.S.; GILMAN, A. - As Bases Farmacológicas da Terapêutica (9a. ed.).           Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana Editores S.A., 1996. 9.- KAPLAN, H.I.; SADOCK, B.J. - Compêndio de Psiquiatria - 6a. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 10.- LLEWELLYN, A.M., STOWE, Z.N., NEMEROFF, C.B. – Depression during pregnancy and the puerperium.            J Clin Psychiatry, 58 suppl.15:26-37, 1997. 11.- TALBOTT, J.A.; HALES, R.E.; YUDOFSKY, S.C. - Tratado de Psiquiatria / Ed.; Trad. Dayse            Batista, Maria Cristina Monteiro Goulart. - Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

Criado em 16/12/2000, modificado em 26/05/2009 por Dr. Luis C. Bethancourt.